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Covid-19 e os velhinhos!

Óleo sobre tela- Virginia Costa
Ninguém nos entende! Velho tem manias sim. A gente não gosta de pedir favor, muito menos para os filhos. Vamos ter muito tempo para isso, infelizmente.
Velho também ama e valoriza a independência, o ir e vir e principalmente, escolher os próprios legumes e frutas. Levei uma vida para aprender que fruta boa tem que ser pequena e ter perfume. Levou tempo fazer amizade com a moça da farmácia e o rapazinho da padaria. Investimento de tempo e simpatia. É nosso quintal. De repente as regras mudam e querem que usemos delivery. Preparar a própria comida com os alimentos que a gente escolheu para comer na hora que a gente quer é parte dessa independência. Não gosto nem que sirvam meu prato. Não morri ainda e nem estou caducando. Velho também gosta de ir ao banco, às vezes só para ver o extrato. Pois é. Tá bom, não é meu caso ainda, mas entendo. Uma das minhas ex-sogras passou dez dias na minha casa e me fazia levá-la ao banco todos os dias só para tirar o extrato. Ela não gastou nada, mas precisava ir lá na CEF. É ilusão de controle da situação. Tudo é passeio e também uma forma de colocar o pé no barranco já que a canoa está para afundar a qualquer instante. 
Óleo sobre tela- Virginia Costa. O Pequeno Príncipe
A gente sabe sim sobre a importância da quarentena e podem ter certeza de que todas as pequenas saídas são muito estudadas, cada passo, afinal repetem o tempo todo que morreremos primeiro, certo? Portanto, se virem um velhinho furtivo de sacolinha na rua, não pense que ele é teimoso por estar descumprindo a reclusão. Ele pensou muito antes de sair e pode ter certeza de que está com medo. Por outro lado, caminhar para nós é vital e tomar sol também. É remédio igual aqueles da farmácia, só que de graça. Solidão e depressão matam também.  
Aqui de cima da minha gaiola, num prédio, fiquei observando o rapaz que veio me trazer uns legumes. Ele parou o caminhão com os caixotes na carroceria lá embaixo e eu de olho. Vi quando ele colocou o dedo na boca para umedecer a sacolinha para por os legumes. Daí repetiu nas outras duas sacolas. Estão vendo? Não tem garantia nenhuma. Meu recém-descoberto amor pelo delivery acabou aí. Sorte que eu vi e desci com uma luva improvisada para pegar as sacolas. Nem reclamei. O pobre homem precisa do emprego e eu precisava da comida. Daí foi aquela função para desinfetar tudo. Trouxe cenouras enormes que eu jamais escolheria, alho mofado, um horror. Repito, é o que nos resta, a ilusão de que não perdemos o comando das nossas vidas. Me deixem fazer minhas próprias compras!
Dizem que vamos nos infectar mais cedo ou mais tarde. Todos. Rezo para que seja mais tarde, tipo penúltima da fila como era a chamada por ordem alfabética no primário: Vera, Virginia e Zoraide.
Meu filho diz que tenho que me preparar para enfrentar esse inimigo fortalecendo minha imunidade e deixando de ler tantas notícias ruins. Nosso cérebro não está preparado para absorver tanta informação. Ele tem razão, já li o bastante. Sou meio traumatizada com a desinformação porque devo ter sido a última brasileira a saber que o Tancredo morreu. Nenhum aluno apareceu na minha aula de alemão. Só entendi depois. 
Fiz muuuitos panos de prato e vendi todos
Não quero fazer yoga, nem exercício e nem meditação. Não gosto e não vai ser agora com esse humor todo que vou gostar. Prefiro Netflix, crochet, desenhar em cerâmica, vídeos espíritas e filosóficos da Nova Acrópole. Cada um foge da assustadora realidade como pode. 
Nem beber eu posso. No dia 11 de fevereiro descobri que tinha uma hemorragia maluca na cabeça e fui operada às pressas. O primeiro caso de corona vírus no Brasil foi reportado dia 24. Foi daquelas cirurgias sérias, no meio do cérebro. Dois cortes como esse da imagem acima. Fiquei 6 dias na UTI e dois no quarto. Ia entrar em coma e achava que era sinusite. Amigas que são anjos, além do meu filho, me ajudaram a sair dessa trazendo comida e me monitoraram por um tempo. Escapei sem sequelas! Ufa! Daí fiquei com medo de andar na rua e de dirigir. Sensação de equilibrar um aquário cheio de água na cabeça. Diz o médico que não vou morrer disso, a não ser que eu bata a cabeça ou leve um tranco. Resumindo, minha quarentena começou bem antes. 
Não me sinto só, mas morro de saudade das minhas netas. Gosto de morar comigo, mas eu era bem mais divertida. Por tudo isso peço que pensem bem antes de criticar os velhinhos na rua. Ninguém sabe o tamanho da solidão deles, não sabemos pelo que passaram, se há pessoas que olham por eles e nem quanto tempo terão. 
O Pequeno Príncipe - óleo sobre tela- Virginia Costa
A propósito, tenho também duas filhas que moram no Canadá numa realidade totalmente diferente da nossa, ambas trabalhando normalmente. 
E tem ainda um netinho que está para nascer a qualquer momento. Será que vou poder conhecê-lo? E a vontade natural e incontrolável que temos de pegar e cheirar nossos bebes? Como vai ser? Que planeta é esse que o aguarda?
Para não enlouquecer acompanho esse site e fico de olho na penúltima coluna da direita que mostra o numero de mortes por milhão de habitante. Aí dá para perceber que o mundo não está acabando. 
E rezando para que o raio não caia duas vezes na minha cabeça penso no que dizia minha mãe: Muito ajuda quem não atrapalha. 

Comentários

lis vissotto disse…
Depois desse textão super lúcido acho que está lidando bem com tudo isso apesar dessa ponta de melancolia,dessa acho que ninguém escapa! Confiar, aguardar e se cuidar é o que nos resta no momento e graças a Deus temos o dom da criatividade para nos consolar, este ninguém nos tira! Bjs
Anônimo disse…
Bom, sou uma fanzaça sua desde sempre!
Não é novidade nenhuma...Estou pensando em até fazer uma camiseta com sua foto escrito: AMO ESSA MINHA AMIGA!

Adoro seus artesanatos , suas pinturas, seu jeito especial de lidar com as amizades, adoro seu jeito divertido de falar de desgraças...
Sempre com um tom de humor...e agora esse texto em especial me deixou com um nó na garganta...
lembrando que não estava do seu lado qdo mais precisou...
Mas enfim...como toda brasileira vc se virou nos 30 e passou com maestria um período difícil...e tropeçou em outro q estamos vivendo !
Não tenho dúvida alguma que vai superar seus medos e angústias...você é tipo mulher PORRETA , e vai continuar lidando com humor sua historia de vida que é linda !

Te amo desde o primeiro dia e vou continuar amando forever...Não me abandone não saberia viver sem suas histórias!

❤❤❤❤
Amei o seu texto, ri pra caramba...e imaginei vc falando tudo isso.
Como vc escreve bem minha amiga, eu nem de longe consigo tal façanha...pois sempre tive problemas com português.
Tiro meu chapéu para essa "Amiga" com A maiúsculo, adoro sua cia e seu papo...viajar com vc foi ótimo, vamos repetir.
Sei que mandou um recadinho para mim, mas não vou te deixar em paz...vou continuar tentando ...beijos amiga do ❤❤❤
Unknown disse…
💞
Em breve vamos conhecer o rostinho do netinho, e eu tenho certeza da admiração dele pela vovó, que se faz presente.
Unknown disse…
Muita saudade do GACC, amiga! E dos meus netos também... Não gosto de depender de ninguém e sinto falta da minha constante alegria. Evito comentários desnecessários e estou entendendo que menos é mais no que se refere às críticas. Além de poupar minha energia... Bj, admiro você, Virgínia! 😍

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