Quando
pequena nos mudamos de Barretos para Dourados duas vezes. Na primeira vez eu tinha 5 anos e depois uns 12 anos.
Era uma tristeza pois eu já tinha amigos e uma família grande e alegre demais em Barretos. Meu avô tocava violão, minha avó tocava piano, assim como as tias. Minha mãe sentia muita falta de tudo isso em Dourados. Como meu pai não se importava, queria mais é sossego para trabalhar, ela fez várias viagens para visitar a mãe em Barretos com
os três filhos num Fusca.
Almoço em família na casa da vovó Mariana. Tio João Parassú Borges na cabeceira. Do lado direito, meu pai Lucio Carvalho Costa, meu avô Totó no meio e minha mãe Nilcy Jacinto Costa. |
Era muito corajosa, pois me lembro de meu pai encomendando uma carteira de motorista dela pelo telefone. Dourados era terra de ninguém nessa época. Só tinha uma rua asfaltada tão coberta de terra que não se via o asfalto.
Bom, mamãe dirigindo, a empregada Cleomara no banco da frente e nós três nos estapeando atrás.
Sergio Jacinto Costa, eu e minha irmã Patricia que faleceu com 51 anos. Eu sou a mais velha. |
Naquela época não
havia ponte que separasse o antigo Estado de Mato Grosso de São Paulo. Havia uma balsa que fazia a travessia dos carros no rio
Paraná e havia sempre uma longa fila de caminhões esperando. Era uma loteria. Às vezes tínhamos que nos
hospedar em modestíssimos hotéis em postos de gasolina. Lembro-me da minha mãe cobrindo
os vitrôs do quarto com aqueles cobertores imundos pois era o maior vaivém de caminhoneiros pelo corredor externo durante a noite e o povo não fazia a menor cerimônia, espiava mesmo pela janela. Calorão dos infernos. Mamãe mandava a gente
usar havaianas no banho e proibia comer carne na viagem. Sem opções, comíamos aquele
macarrão super cozido só com molho de tomate.
Nem olhem para a salsicha!, dizia ela. Pastel de queijo podia.
Tínhamos uma vida humilde na época. Talvez eu
nunca tivesse ficado em um hotel antes mas percebia que aquele lugar não era dos
melhores. Já tinha memórias dos lençóis limpinhos cheirando a Phebo de
casa e da minha própria cama na casa da vovó Marianinha, onde dormi a maior parte da
minha infância.
Minha cama na casa da vovó tinha um colchão de capim que de vez em quando dava umas espetadas. O travesseiro era de paina colhida pelas tias na fazenda do tio Joãozinho. Era um evento na época do mutirão das painas. Aparentemente, ninguém tinha alergia naquela época. Só sei que eu amava dormir ali na casa da vovó. O "meu" quarto tinha passagem pelo dela, como era comum naquele tempo e ela e o vovô tinham penico debaixo da cama. Nem precisava, pois tinha banheiro na casa. Era um velho hábito mesmo.
Eu e meus irmãos brigávamos muito no carro, claro. Dias e mais dias comendo a mesma coisa, sem conforto, indo de um lugar para outro sem entender muito bem o porquê. Criança não apitava nada.
A matula tradicional era pão de forma com patê de sardinha. O pão de forma de antigamente grudava no céu da boca. Era difícil de engolir a seco. Todo mundo ficava soluçando a viagem toda.
No lado de Mato Grosso não tinha asfalto, era pedregulho, um caminho com uma poeira vermelha sem fim. Era um tal de fechar o vidro toda hora, manualmente, claro. Pelo menos em Mato Grosso a gente podia pedir uma chipa num bolicho. Bolicho é um pequeno comércio de beira da estrada com banheiro de "casinha", já viu, né? Essas casinhas nunca tinham luz e a gente só não caia dentro do buraco por que elas têm um tamanho padrão e Deus é pai. A chipa era normalmente tão velha e dura que dava para ir distraindo com uma só, chupando, até Dourados. A chipa é a prima pobre do pão de queijo e não leva queijo. As de hoje são deliciosas mas antes eram sem graça como espaguete de abobrinha.
Papai, em Dourados tinha um Jeep e viajava eventualmente com a gente, na época, só eu e meu irmão. Íamos atrás, soltos, sem a menor proteção ou conforto, só comendo poeira e chacoalhando. Não queria comentar isso, mas quando vejo as crianças de hoje no carro, seguras em suas cadeirinhas confortáveis com um Tablet na mão e os pais ainda se esforçando tanto para entretê-las, fico com pena. Dos pais, claro.
Casa da vovó em Barretos, meu quarto era bem na curva. |
Eu e meus irmãos brigávamos muito no carro, claro. Dias e mais dias comendo a mesma coisa, sem conforto, indo de um lugar para outro sem entender muito bem o porquê. Criança não apitava nada.
A matula tradicional era pão de forma com patê de sardinha. O pão de forma de antigamente grudava no céu da boca. Era difícil de engolir a seco. Todo mundo ficava soluçando a viagem toda.
No lado de Mato Grosso não tinha asfalto, era pedregulho, um caminho com uma poeira vermelha sem fim. Era um tal de fechar o vidro toda hora, manualmente, claro. Pelo menos em Mato Grosso a gente podia pedir uma chipa num bolicho. Bolicho é um pequeno comércio de beira da estrada com banheiro de "casinha", já viu, né? Essas casinhas nunca tinham luz e a gente só não caia dentro do buraco por que elas têm um tamanho padrão e Deus é pai. A chipa era normalmente tão velha e dura que dava para ir distraindo com uma só, chupando, até Dourados. A chipa é a prima pobre do pão de queijo e não leva queijo. As de hoje são deliciosas mas antes eram sem graça como espaguete de abobrinha.
Papai, em Dourados tinha um Jeep e viajava eventualmente com a gente, na época, só eu e meu irmão. Íamos atrás, soltos, sem a menor proteção ou conforto, só comendo poeira e chacoalhando. Não queria comentar isso, mas quando vejo as crianças de hoje no carro, seguras em suas cadeirinhas confortáveis com um Tablet na mão e os pais ainda se esforçando tanto para entretê-las, fico com pena. Dos pais, claro.
Comentários