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Ponderações Sobre Viver no Canadá

Minha relação com o Canadá é quase bipolar. Há momentos de genuína admiração e inveja e outros de total enfaramento.
Na minha última visita a Calgary, estávamos almoçando em casa quando todo mundo recebeu uma mensagem ao mesmo tempo pelo celular. Era o que eles chamam de Amber Alert. No caso, um pai havia sequestrado seus dois filhos. A mãe deu queixa e a polícia alertou a todos na região. Eles descrevem o suspeito, o carro, as roupas, dão os nomes e idades das crianças. Desta forma todos que estão naquela região ficam de olho e geralmente o resultado da busca acaba sendo muito rápido.
Só depois da minha volta eu vi que também havia um sms no meu celular. Bastou estar na região e eu também fui comunicada. Muito eficiente. O alerta acaba sendo emitido nas rádios, televisões e outdoors. Assim como temos aqui alertas de temporais em algumas regiões, poderíamos também adotar essa medida. Esse tipo de alerta começou nos Estados Unidos. 
Outro evento que achei interessante. Deixamos minha neta na porta da escola e fomos embora. Exatamente dois minutos depois minha filha recebeu um aviso pelo celular de que minha neta não estava na primeira aula.
Gelamos, pois não tínhamos visto de fato a entrada dela pela porta da escola. Minha filha ligou na hora, eles conferiram e ela já estava na sala de aula, tendo entrado com dois minutos de atraso. Pode parecer um controle exagerado afinal, quem nunca matou aula? Mas os tempos mudaram e acho essa medida muito válida.
Outro ponto que me causa inveja é ver nas lojas pessoas muito idosas trabalhando. Só não trabalha lá quem não quer, não tem ambição ou se contenta em viver à custa do governo.
A propósito, desta vez percebi que aumentou demais o numero de pessoas sem-teto.  Será por causa da pandemia ou será outro motivo?  
Visitei um residencial particular para idosos.
Aí eu senti inveja. Poder ter uma velhice digna e decente.
Parece um hotel, tem vários tipos de apartamentos, restaurantes, lavanderia e serviços médicos.
Esta é uma kitchenette térrea.
Na época custava CAD$ 4mil por mês.
Se eu tiver que custar tudo isso por mês, Deus permita que eu vá antes, mas cá entre nós, se for para sonhar com uma velhice confortável, esse modelo me agrada muito, claro. 
Em Calgary tem um parque temático incrível sobre o qual contei AQUI e lá a grande maioria dos funcionários é idosa.
Repare, os três que organizam a entrada na Maria Fumaça são bem velhos!
E esse é o emprego dos meus sonhos. Uma colega cozinha e a outra come. Eles simulam no parque a vida de antigamente. A falta absoluta de opções de trabalho para idosos no Brasil me entristece demais. 
Em relação à saúde pública, um dos principais motivos da minha falta de interesse em viver lá, o nosso SUS dá de dez a zero. Lá não existe prevenção. Você é obrigado a procurar um family doctor do seu bairro e ele dificilmente vai te pedir exames como mamografia, raio-X do tórax ou pedir ultrassom, mesmo que você diga que tem casos de câncer na família. Fazer um check-up anual é impensável. No Brasil, se o exame for demorar, você pelo menos tem a opção de pagar para faze-lo, mesmo sem o pedido médico. Tanto o agendamento no SUS como nos convênios médicos no Brasil demoram sim, mas de um jeito ou de outro as pessoas conseguem fazer preventivos. Por causa disso, muitos canadenses com condições financeiras melhores, acabam indo para os Estados Unidos para se tratar. De um modo geral, no Canadá é mais fácil você poder fazer um exame quando foi internado por emergência num hospital. Aí sim pode ser que consiga ser encaminhado para um tratamento. Acho isso muito sério. Até parei de reclamar do valor que pago pelo meu convênio médico no Brasil. 
O lado bom, quando minha filha teve nenê, no dia seguinte estacionou uma bela caminhonete na porta da casa dela e desceu uma assistente social. Ela foi até o quarto da minha filha e ficou uma hora e meia lá dando instruções de como amamentar, como cuidar do bebe, deixou um livro enorme e telefones para contato, caso ela precisasse. Eu fiquei de olho. Foi muito simpática e atenciosa. Será que fazem isso com todos os bebes que nascem lá ou só com imigrantes? Em Londres, quando nasceu a outra neta, foi a mesma coisa. Por três vezes tivemos a visita sem aviso prévio de uma assistente social. Eu tinha a maior bronca daquela mulher. Ela verificava até a temperatura do apartamento e do berço (havia um termômetro só para o berço). Verificou a trama do cobertorzinho, certificou-se de que não havia aqueles rolinhos protetores no berço (proibido) e nem travesseiro. A de Londres era antipática e meio bruta, mas é um trabalho louvável, pois alguns imigrantes acabam tendo bebes em situações extremas de carência financeira e ignorância e imagino que desta forma possam receber alguma assistência do governo.
As lojas de venda de maconha estão por todo lado. Visitei uma delas e fiquei impressionada, mais parecia uma joalheria ou uma farmácia chique de manipulação.
Aparentemente o numero de crimes relacionados à maconha diminuiu sensivelmente. Se eu fosse consumidora com certeza iria preferir comprar legalmente e não numa boca de fumo.
O numero de lojas ainda não consegue dar conta da demanda que aumentou muito com a pandemia. Os impostos são altos e as coisas não são tão interessantes como soam. A grande maioria dos consumidores vive na periferia e as lojas são centrais fazendo com que os consumidores continuem comprando de fornecedores ilegais.
No meu ponto de vista, acabar com o negócio ilegal é a única razão lógica para a liberação da maconha recreativa, mas o buraco é mais embaixo. A ideia é linda mas precisamos ser realistas.
Uma curiosidade. Eu estava fumando (cigarro normal) na frente do aeroporto e um rapaz do meu lado acendeu um cigarro de maconha. Fiquei meio espantada. Pode-se fumar em qualquer lugar onde seja permitido fumar o cigarro normal.
Houve um aumento considerável de incidentes causados por crianças que consumiram em casa, sem saber, produtos que continham maconha como biscoitos e cupcakes. Complicado. Vamos acompanhar. Verdade é que há muito dinheiro envolvido nesse mercado, inclusive de ações, então não sei até que ponto o usuário é beneficiado ou manipulado. 
A permissão para caçar é outro fato que me intriga. Como lá realmente as regras são respeitadas e há um controle rígido das licenças, dos rebanhos e de armas, acho que pode sim ser uma solução.
Eu seria incapaz de ter prazer em atirar num alce, mas pessoas fazem isso há séculos de forma aleatória e não vão mudar. Com certeza,  permitir com restrições e muito controle é a solução. Vejam só o trabalho incrível dessa família que protege as onças pintadas brasileiras numa reserva ao lado do Parque das Emas. Acompanho e contribuo com o trabalho deles. É fascinante. Clique AQUI para conhecê-los. 
Muitas espécies entraram em extinção e outras se multiplicaram como pragas. 
É como aconteceu aqui no Brasil com a pesca. Melhorou demais depois que foi regulamentada.
No Canadá a gente vê esquilos e lebres, mas não em exagero.
As pessoas não os alimentam. 
As multas ajudam. Imagine pagar CAD$ 25 mil por alimentar um animalzinho?
Um canadense raiz vai te cumprimentar assim quando você entra em uma loja: Olá, como está sendo o seu dia até agora? Tenha dó! Sou mesmo obrigada a responder, cara-pálida? E se um deles pensar em esbarrar em você, já se desculpa. Sabe um excesso de educação e ao mesmo tempo você não consegue criar vínculos?
Falar alto é inadmissível, mesmo dentro da sua casa. A preocupação em não incomodar os vizinhos é enorme. Isto é educação. Eu sei, gente. Conheço uma pessoa que foi expulsa do apartamento por causa do barulho de uma única festa. Teve que se mudar. Até me lembrei do meu vizinho palmeirense. Em dia de jogo ou de churrasco eu podia esquecer. Ele gritava feito louco. Nunca me ocorreu reclamar, sinceramente. Eram exceções e eu também fazia meus churrascos barulhentos. O espaço do outro no Canadá é mais importante que o seu. Pois é, talvez eu seja mesmo ranzinza ou mal-educada por não gostar de dar bom-dia a estranhos. Minhas filhas, no entanto, se adaptaram perfeitamente. Apesar das vantagens, não é fácil sobreviver aos longos invernos e não ter com quem contar. 

Bebidas alcoólicas só podem ser vendidas em lojas licenciadas. Ou seja, você vai ao supermercado e depois tem que ir até outra loja para comprar um vinho. Tudo bem. Mas o fato de não poder beber em público acho demais.
Numa festa popular como o Calgary Stampede, que é uma festa de peão, você não pode comprar uma latinha de cerveja e sair caminhando com ela. Maconha pode, lembra? Você não pode fazer um piquenique no parque e tomar um vinho. Acho um exagero. Daí me lembrei da Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos. É muita cerveja para todo lado! É um evento e pronto, acabou.
Na Alemanha o pessoal fica na beira do rio tomando cerveja de monte. Que mal há nisso? Vai me dizer que em casa os pais não bebem na frente das crianças? 
Uma coisa interessante: festa de aniversário de criança. No Brasil a gente conta com os avós e a grande família de um modo geral quando vai fazer festa de aniversário. Lá, os núcleos familiares são pequenos, não dá para complicar. Os pais não contam com ninguém para enrolar um brigadeiro que seja. Marcam um horário de início e convidam no máximo umas seis crianças. Os pais as deixam na festa e depois vão buscar. Não tem aquele aparato de decoração cara e não tem que ter aquela preocupação de servir bebida e comida para os adultos. Geralmente as crianças fazem juntas algum artesanato, confeitam cupcakes, pintam quadros, jogam alguma coisa, sempre alguma atividade criativa e manual, cantam parabéns e pronto. Os pais vêm buscá-las. Dependendo da idade, uma ou duas amigas ficam para dormir.
Crianças canadenses estão acostumadas a comprar em lojas de roupas usadas. Até gostam, pois nestas lojas também há brinquedos muito baratos. Marca famosa de roupas ou grife não faz parte da vida delas. Na porta da escola eu vi de tudo um pouco. Cada um se veste como quer. 

Digamos que sou grata ao Canadá pelo sossego que me proporciona. Saber que parte da minha família vive num país seguro é ótimo.
Viver em um país onde não há detectores de metais para entrar em bancos é extraordinário. E quando vejo aqueles pacotes de compras feitas pela internet nas portas das casas? Aí sim eu morro de inveja.

Também fico com inveja desse povo que pode se dar ao luxo de ter tampas de bueiro tão lindas. Imagine isso no Brasil? Se aqui roubam fios de cobre de escolas públicas, imaginem uma tampa linda, uma obra de arte dessa? Enfim, meu relacionamento neurótico com o Canadá continua. Reconheço suas virtudes, tudo funciona melhor que no Brasil. 
O atendimento em qualquer serviço público é eficiente. É para resolver seu problema e você não ter que voltar. Uma beleza. Mesmo assim, cada vez que visito esse belíssimo país e outros também, fico louca para voltar para casa. 

Atualizando em setembro de 2023:
- Bom, minha outra filha teve nenê em julho, correu tudo muito bem e teve toda a assistência necessária e continua tendo, como clínicas de amamentação e todo o acompanhamento ginecológico sem despesas. Nota 10.
- A outra filha, com duas filhas menores de 12 anos, optou por se mudar para a Florida, onde há mais liberdade. Decidiu deixar o Canadá. Não vou entrar em detalhes por motivos óbvios. 
- A questão da legalização do uso de canabis, que anteriormente aceitei como uma possível solução para a diminuição da marginalidade, se mostrou um verdadeiro desastre. Com exceção do uso médico comprovado e necessário em vários casos e um alívio para muitas famílias, a história da liberação para lazer obviamente não deu certo. Cidades como Montreal e Toronto já mostram um grande numero de usuários sem teto e a coisa fugiu do controle. Só não vê quem não quer.

Comentários

Márcia Martini disse…
Seus textos são adoráveis Vi! Nos dá uma visão muito boa da vida no Canadá! Parabéns!!!!Adoro seu blog! Bjs!

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