Tudo começou quando eu vi Belém de noite, do cockpit do avião quando casada com um piloto. Era Natal, avião lotado e só por isso deram permissão para que eu voasse na cabine. Estávamos a caminho de Manaus. Achei aquela curva do Mercado Ver-O-Peso na noite, com as luzes amareladas, uma coisa mágica! Fiquei muito curiosa. Depois vi o vídeo da Dona Onete, uma senhora de 82 anos cantando o romance de uma garça com um urubu no meio do pitiú (um mini camarãozinho), lá no mesmo mercado. O ritmo, carimbó. Pronto! Belém já subiu para #1 na minha lista que anda encolhendo à medida que os anos passam e minha disposição diminui. Duas amigas gostaram da ideia e fomos pela CVC num desses programas modestos e parcelados. Já sabia sobre o extremo calor úmido, a chuva diária, as ruas arborizadas com mangueiras, os saborosos peixes frescos, o tumulto do Mercado Ver-O-Peso e as diferentes comidas de rua. Eu só não estava preparada para a extrema simpatia das pessoas e enorme fé da população em nossa Senhora de Nazaré. A fim de ouvir o carimbó, fomos na primeira noite ao Apoena Centro Cultural, um bar bem raiz onde havia lido que às quintas-feiras esse ritmo era o forte. Não foi bem assim. Era a noite da “guitarrada”, outro ritmo local. Foi curioso, um bar bem autêntico para onde vão as pessoas que realmente sabem dançar. Como chegamos muito cedo, quando o músico famoso com a barba enorme começou a tocar, já estávamos prontas para ir embora. Provamos a cachaça com jambu, o agrião-do-pará. Eu detestei. E olha que sou neta do Totó Jacinto, um apreciador de cachaça! O jambu é uma folhinha conhecida por amortecer a boca.Um pouquinho das folhas no tacacá, tudo bem, mas concentrada na cachaça com as pequenas flores, dá para te arrancarem um dente e você não perceber. Assim que chegamos, notamos um senhorzinho muito disposto, acompanhado por duas moças faceiras. Ele foi o primeiro a chegar ao bar. Quando a guitarrada começou o danado se mostrou o maior pé-de-valsa. Deu um show. Incansável. As moças se derretiam para dançar com ele, faziam sanduíche, maior assanhamento. Ele dançava bem mesmo. Dias depois, conversando com umas meninas que conhecemos, soubemos que ele é muito popular e que até fizeram uma música em homenagem a ele. Quando a música dele começa as mulheres do bar formam fila para dançar com ele. Figura! Vida longa para ele! Conclusão, o Apoena é um local muito autêntico, com bons músicos regionais, próprio para quem quer dançar de verdade e quer conhecer a música local. É muito amigável à diversidade. O banheiro é um horrorzinho e tem uns petiscos gostosos.Se você ler sobre Belém, um dos pontos mais comentados é o tacacá da Dona Maria do Carmo, já falecida. Aparentemente é uma barraquinha de rua como muitas outras.Não é que ficava a uma quadra do nosso hotel? Foi ótimo, pois nem sempre queríamos sair para comer fora. Eu provei o tacacá das amigas e te juro, foi o melhor que já provei. Comi o vatapá, mas ainda prefiro o da Bahia, mais temperado. Comi também a tapioca doce frita outro dia e adorei. O povo senta na calçada na cadeira de plástico e come na cuia de cabaça. Interessante, não se vê salgados, como coxinha, esfiha, etc. Se você quiser beliscar alguma coisa, só encontra as barracas de rua. Me faltou coragem, contudo, de provar a maniçoba. Perto do nosso hotel, praticamente em frente ao Tacacá da Dona Maria, havia um pequeno café impecável, com ar-condicionado. Chama-se Marcos Bernman Deliciosidades. Essa tortinha tem embaixo uma casquinha de biscoito com castanha do Pará, creme de cupuaçu, doce de cupuaçu e queijo cuia. Zero açúcar. Muito especial.Vale espiar o cardápio AQUI. Lá eu comi uma coxinha chamada unha de caranguejo. Perfeita. Aliás, comi duas. Adorei o lugar.Dia seguinte, fomos ao famoso Mercado Ver-O-Peso. Aquele sonho meu. É muito mais do que pude imaginar em termos de tamanho, de diversidade, de barulho, deu até um medinho do desconhecido, curiosidade, fascínio, calor, sabores, cores e cheiros. É um choque, por mais que tenha visto vídeos e lido a respeito. As mulheres descascam a castanha do Pará fresca na hora e ela tem um sabor completamente diferente. Compre só a quantia que for comer, pois ela estraga rápido. Aprendemos que deve-se colocá-las cobertas com água na geladeira para durar mais uns dias. Funcionou. A castanha que compramos normalmente é desidratada, essa não. Ah, e os cheirinhos, as garrafadas, banhos e chás milagrosos! As vendedoras são divertidíssimas e têm umas piadinhas picantes na ponta da língua. Frutas que você só vai provar por lá.Foi uma delícia passar por isso com as amigas. Mulheres se entendem, hehe. Tomei o suco da polpa do cacau e gostei. Bem neutra. As demais, prefiro com vodca. Sério mesmo. Conhecemos o miriti, uma fibra de palmeira com a qual fazem brinquedos levíssimos. Estão por toda parte. A maioria vem de Abaetetuba, um município a 60 km de Belém onde o miriti é fonte de trabalho e renda para muitas famílias. O patchouli é muito cheiroso e versátil, assim como a priprioca, que não conhecia.O Mercado Municipal de Carnes Francisco Bolonha é belíssimo com uma estrutura de ferro fundido vinda da Escócia. A estrutura de ferro parece uma renda. Maravilhosa essa escada!Na verdade esse mercado é bem desfalcado de carnes. Poucos box estão funcionando. Achei maravilhoso.O Mercado de Peixes, ou Mercado de Ferro, também é muito imponente.Foi lá que tudo começou durante o Ciclo da Borracha. Toda a estrutura veio da Europa seguindo o estilo art nouveau. De cima de um dos prédios deu para ter uma ideia do tamanho do mercado como um todo.Esse local era, desde o século XVII, um posto de fiscalização da Coroa Portuguesa onde se verificava o peso dos produtos comercializados. São 16 setores, desde animais vivos a camarões secos. O Mercado do Ver-O-Peso é conhecido como o maior mercado e feira ao ar livre da América Latina. O setor de farinhas é o máximo. Frustrante não saber o nome de tantas coisas que vimos.
No mais, o shopping é como o de qualquer outra cidade. Eu sou mesmo avessa a shoppings.Outra visita importante foi à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, uma igreja que reproduz a Basílica de São Paulo em Roma.Foi construída em 1909 em homenagem à padroeira dos paraenses. Há tempos não via uma igreja tão bonita. A imagem de apenas 28 cm da santa fica exposta nesse belíssimo altar.Na terça-feira tudo abria e pudemos retomar os passeios, além do mais, nesse dia, a entrada para os museus do Brasil todo é gratuita. Só soube agora. Fomos visitar a Catedral Metropolitana de Belém, ou Catedral da Sé. O estilo é neoclássico e barroco. É de 1719 e fica no bairro Cidade Velha. O grande órgão francês foi instalado em 1882 e é o maior órgão da América Latina.A catedral é parte importante da tradicional celebração do Círio de Nazaré, maior procissão do mundo ocidental. Após uma missa na catedral, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré parte em procissão até à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, acompanhada por centenas de milhares de pessoas. Parte da arquitetura da catedral é atribuída ao arquiteto italiano Antônio José Landi, como a fachada com o coroamento das duas grandes torres. Os relógios da Catedral são importados da Europa e foram instaladas no templo em 1772. A Catedral da Sé possui belíssimas telas criadas por renomados artistas europeus do século XVIII, localizados nos seus dez altares laterais, além de 28 candelabros de bronze e vitrais religiosos de grande valor artístico. O Museu de Arte Sacra (MAS), localizado no antigo Palácio Episcopal, originalmente Colégio Jesuítico de Santo Alexandre, foi inaugurado em 28 de setembro de 1998. Vale a pena a visita.Integrada ao Museu está a Igreja de Santo Alexandre (originalmente Igreja de São Francisco Xavier), construída pelos padres da Companhia, com participação do trabalho indígena entre o fim do século XVII e início do século XVIII. É linda! A sacristia foi pintada pelos próprios padres jesuítas.Os altares e púlpitos esculpidos em madeira são magníficos!Os padres ensinaram os índios a esculpir e estes acabaram dando seu toque pessoal nas feições indígenas dos querubins.Na mesma quadra visitamos o Museu do Círio.Alegre e didático. Graças conseguidas com a fé: casamento, emprego, um barco, um filho, geladeira, coisas materiais e curas.Na mesma área, dominando a entrada do porto, fica o Forte do Presépio, fortificação construída por colonos portugueses em 1616. Toda essa área tem guardas e diria que é a única região de Belém onde não há pichações. Aliás, duas pessoas diferentes nos disseram que o pichadores de Belém são adultos e já foram presos algumas vezes. A má notícia é que eles têm mais de quarenta anos. Inconcebível!Do forte a gente avista a praça onde o açaí é comercializado de madrugada. Visitamos a Casa das Onze Janelas e sua galeria de arte.Vista privilegiada para a Baía de Guajará. O restaurante Casa do Saulo das Onze Janelas tem uma decoração linda. Repare nas paredes!Dali para o Mangal das Garças é perto, mas todo mundo recomenda ir de táxi ou Uber. O Mangal acabou sendo uma agradável surpresa pela fartura de aves em liberdade. Eu jurei que não entraria no elevador/farol/mirante, mas fui. De lá a vista é linda. O restaurante fica nessa construção, na parte de cima. Embaixo fica o Memorial Amazônico da Navegação. Há também um borboletário nesta construção redonda.Fiquei encantada com os guarás e flamingos.A quantidade de garças (mansinhas) é inacreditável. Almoçamos no Restaurante Manjar das Garças por que não sabíamos que havia duas outras opções de locais para refeição por lá, mais em conta. E veja só o encanto do funcionário com esse passarinho! Depois desse longo dia, pifamos. O máximo que conseguimos foi voltar ao Deliciosidades para um salgado e mais uma tortinha exótica. Arrumamos as malas e combinamos com o Arlon, o motorista da CVC que fez nosso transfer na chegada. Ele é uma pessoa ótima e faz passeios até para outras cidades. (91)980282497.Ficamos no Hotel Marajoara (três estrelas).Na verdade, o hotel era a residência da família que hoje o administra e por esse motivo os quartos são diferentes uns dos outros. A decoração é toda amazônica. Questão de gosto.Importante é que a localização é boa, o atendimento foi muito amável pela família e funcionários, há câmeras de segurança por toda parte e wi-fi. Portaria 24h (um dia pedi um queijo quente bem tarde da noite), estava tudo limpo e o café da manhã é bom.Quanto à cidade, bate uma certa tristeza ver tantos casarões antigos descuidados. Alguns são verdadeiros palacetes. Este, em particular, tem vigilante 24h para não haver depredação.Os que estão restaurados imagino que sejam ocupados por órgãos públicos. Esse bem grande é um colégio particular de freiras, Colégio Gentil Bittencourt. Está impecável. Foi fundado em 1804 e é a instituição educacional mais antiga do país em funcionamento ininterruptamente. Há muito a ser feito, inclusive as calçadas. Se houvesse uma revitalização a cidade se tornaria um destino de viagem perfeito.Nessa aí a mata está engolindo a casa. O clima úmido e a chuva diária faz brotar plantas no alto dos prédios. Em alguns dias vai acontecer o Arrastão do Pavulagem, uma espécie de cortejo que mescla música, signos característicos das festas juninas e elementos do universo mítico da Amazônia. As pessoas já estavam comprando esses chapéus com fitas coloridas. Dizem que é uma delícia de festa.Com tanta cultura, religião, história e culinária diversa, tem como fazer um post curtinho?
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