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Jacinthada- Vovô Totó - Antônio Jacintho Júnior

Antônio Jacintho Júnior
Vovô Totó era bem na dele, mais quietão. 

Antonio Jacintho Júnior e Mariana Lacerda Jacintho
 Havia um entra e sai muito grande das filhas e netos pela casa e não me lembro dele dando bronca. 
Lembro-me da voz dele dizendo o prefixo PY2AJI no rádio amador. Ficava entretido como um adolescente hoje no TikTok. Eduardo, meu primo, se lembra dele se dirigindo às pessoas no rádio como "bacanudo". Não teve um neto que não levou choque naquela parafernália. 
Mais tarde soube que o que ele fazia até salvava vidas. Na época era um meio de comunicação muito importante entre fazendas, aviões particulares, aliás, era o único meio de comunicação, se não me engano, para quem estava fora das cidades. Um hobby muito útil. 
Na infância, eu não percebi nenhuma dificuldade financeira. Sabia que não tínhamos dinheiro pois sempre usei roupas das primas mais velhas. Nunca passamos fome, pelo contrário, era sempre uma fartura danada à mesa. Entendia vagamente que o vovô teve uma queda brusca de renda por algum motivo que achava que era mundial, não sei se foi a bolsa ou o preço do café. Só sei que ele tinha umas vacas leiteiras e começou  a produzir manteiga, manualmente. Mamãe me disse mais tarde que essa renda ajudou a mandar a tia Leiza e tia Ligia para estudarem em São Paulo, o que era uma grande coisa na época. Lembro-me dele batendo a manteiga, colocando água gelada e batendo por um tempão. No muque mesmo. Nunca mais comi manteiga boa como aquela que todas as tardes era servida com pão assado no fogão à lenha acompanhado de chá de hortelã com açúcar cristal. Era o manjar dos deuses e a melhor hora do dia na casa da vovó.

Tio Joãozinho de frente, na cabeceira. Mamãe, vovô e meu pai Lucio Carvalho Costa, do lado direito.
A hora da paz onde os primos paravam de brigar e de correr. Não é interessante isso? O cardápio do fim do dia era esse, só isso. Sem requeijão light, danoninho, granola, presunto, sei lá o que sem lactose. Aff! Não gosto de dizer isso para não parecer mais velha do que sou, mas a vida era tão mais simples.
A paciência do vovô também era útil quando ele fazia terços com miçangas naturais. Tirava o miolinho mole que desfiava, puxava, passava um arame fino por dentro. Era um serviço, como digo, de presidiário. Acho que todos os netos ainda têm um terço feito por ele. Ele apreciava também fumar cigarro de palha. Não era daqueles fumantes no automático. Picava o fumo de rolo bem miudinho com seu canivete, como num ritual. Também mantinha umas garrafas de cachaça num armário embutido bem ao lado da sua cadeira de balanço favorita. Tomava um trago antes das refeições. Nunca se excedeu. Sempre nos perguntava: Do que é que o vovô não gosta? E a gente já tinha a resposta pronta: De cachorro e de criança. Ele achava a maior graça. A gente também, pois sabíamos que era brincadeira. Também era meio acumulador. Guardava um mundo de caixas de sapato cheias de bugigangas na garagem. Coisas muito inúteis como tampinhas de garrafas, centenas de arruelas, pregos, parafusos e rolhas. 
Mariana Lacerda Jacintho
Lembro-me da vovó de pantufas e com um roupão onde ela tinha pendurado no cinto um molho de chaves de ferro, daquelas antigas. Estas chaves abriam um armário baixo de madeira bem escura, onde era a rouparia dela, muito arrumada e que cheirava sabonete Phebo (mania que herdei dela).
Mariana Lacerda Jacintho
Lá ela guardava as balas da Kopenhagen que amava. Nem sei se ainda são produzidas. Durinhas por fora e com caramelo por dentro. Eram as suas prediletas e todo mundo sabia. Ela as guardava literalmente a sete chaves e nos dava secretamente quando queria nos fazer um agrado.
Casa dos meus avós em Barretos.
O quarto dos meus avós, como era comum antigamente, dava direto para a sala principal da casa. Atravessando esse quarto havia um outro, que era o de hóspedes e ele ficava bem na esquina e tinha um vitral. Eu adorava dormir nesse quarto, aliás, havia um revezamento de netos neste quarto. O colchão era de capim e de vez em quando espetava. O travesseiro era delicioso, macio, de paina, feito pelas tias em mutirão também. Tudo cheirava Phebo. Minha avó cheirava Phebo e cigarro junto. Todo mundo fumava. Até hoje gosto. Te juro que às vezes, na rua, passa alguém com esse perfume de Phebo com cigarro e eu fico impressionada. É uma mistura muito peculiar. Eu só ficava chocada com o pinico que eles usavam, apesar de haver dois banheiros na casa. Eu acho que dormi mais lá nesse quarto do que no meu próprio quarto em Barretos.
Olhem só o estilo da casa! 
Gabriel na parte superior. Eu, Paula e Eduardo (são irmãos, filhos da tia Lígia) e Sergio, meu irmão. Patricia, a mais novinha, minha irmã que faleceu com 51 anos.
Havia travessas enormes de milho verde, franguinho caipira, primos mais velhos roubando as melhores partes do frango antes do almoço e mutirão para fazer pamonha ou travesseiros. Infância feliz com tios carinhosos e primos sempre dispostos a brincar.
João Parassú Borges
O mutirão da pamonha também acontecia na fazenda do tio Joãozinho (João Parassú Borges), que aliás, foi um verdadeiro pai para todos os sobrinhos.

E por uma sorte danada, por causa do tio Joãozinho, conheci a Tetê, filha da irmã dele (dona Elisa Borges ), que é minha amiga até hoje. São mais de 60 anos de amizade. Uma loteria! E pensem num tio querido! Mas o foco hoje é o vovô Totó.

Coronel Antônio Jacintho da Silva, pai do meu avô Totó ( Antônio Jacintho Júnior)
Não saberia contar sobre grandes feitos do vovô Totó. Talvez tenha sido manter a família feliz e por perto. O importante é que ele tirava bicho de pé da gente com um canivetinho. Ah, ele era bom nisso. Se a gente não gritasse, ganhava um Mentex. Não uma caixa, só um mesmo. O mesmo canivete esteve presente em vários momentos da nossa infância e quando ele morreu, eu herdei o canivete. Um amarelinho, bem pequeno. Uma relíquia. Anos mais tarde, descobri que vários primos tinham o mesmo canivete e juravam que era o original. Nunca vou saber quem tem o verdadeiro. Vovô Totó também pincelava as nossas gargantas inflamadas com um lápis com algodão embebido com iodo, eu acho, quando tinha pus. Era horrível. Enfiava goela abaixo da gente. Hoje em dia, dizem que esse procedimento é péssimo pois só espalha a bactéria. Ok, ninguém morreu por causa disso. Verdade é que suspeito que ele usava os produtos veterinários do gado em menor dose para tratar os netos, todos os nossos arranhões e ferimentos. Só rindo para não chorar. Estamos todos fortes, a propósito. Ele arrancava nossos dentes moles na maior tranquilidade. Nos chamava para ver, vinha com uma conversa mansa e já era! Eu caía nessa todas as vezes.
Antônio Jacintho Júnior, o Totó.
Foi uma pessoa inesquecível, sempre muito arrumado, usava terno de linho e chapéu para sair e foi presença firme no dia a dia da infância dos quatorze netos. Ele era tão agregador que minha prima mais velha me disse que a mãe dela, tia Leiza, tomava café da manhã duas vezes; na casa dela com o marido e filhos e depois ia para a casa do vovô Totó.
Até onde eu sei, ele foi muito feliz com a vovó Marianinha. Gostava de violão. Eu até hoje afino o violão de ouvido no tom que ele usava. Hoje o pessoal usa um App. 
Os filhos do vovô Totó: minha mãe Nilcy (bebê). Leiza, Luis, Ligia e Lucia.
Quando a família se empolgava na música era uma beleza. Vovó Marianinha tocava bem piano. Tia Lucia, que acabou nunca se casando, tocava melhor ainda música clássica com muita desenvoltura. Tocava tão bem que ninguém se movia. O repertório dela era lindo. Vovô acompanhava no violão quando o repertório era mais popular. Minha mãe também tocava violão, mais básico, com músicas em guarani, polcas e guarânias por causa das nossas idas e vindas para Mato Grosso
Tia Ligia tocando e seu marido Wilson Moreira em pé, de braços cruzados.
Tia Lígia tocava piano e violão. Muito charmosa, ainda cantava em francês. Eu tive uma ligação muito estreita com ela desde sempre. Era muito gostoso e o interessante é que as músicas daquela época estão na nossa memória até hoje. Nem gosto de ouvir pois me dá vontade de chorar.

Lucia Helena, vovó Mariana, João, Virginia, gêmeas Cássia e Claudia, Sergio, alguém na cadeira (provavelmente Paula), Juninho, Eduardo, Gabriel.
A amizade entre as irmãs Nilcy (minha mãe), Leiza, Lúcia e Lígia, era muito forte.
Nilcy Lúcia, Lígia e Leiza.
Elas se bastavam e riam muito. O tio Luís, o único homem, morava em São Paulo, então era raro que ele e seus filhos estivessem presentes. Sua mulher, tia Alda, foi a primeira mulher a dirigir um carro na região. Ela é da família Junqueira Franco.
Vovó Marianinha e tio Luís na cabeceira. Vovô Totó de óculos no lado esquerdo  e meu pai, Lucio Carvalho Costa. Pelo cardápio, devia ser um dia especial. 
Sempre ouvi dizer que o tio Luís era o queridinho da vovó Marianinha. Já viu, né? Único filho entre essa mulherada toda, normal.
Fui abençoada por ter avós, tios, memórias e primos incríveis. O tempo passou e das tias, só temos hoje a querida tia Alda, mulher do tio Luís que acabou de completar 96 anos. Ela sempre acobertava meus namoricos. Sempre foi mais "pra frente".
Há um tempo, nossa prima mais velha, a Ana Luiza, fez um encontro da "Totozada" em seu apartamento em São Paulo para vermos fotos e foi muito divertido. Lá estavam os filhos e agregados. A família já cresceu bastante de lá para cá. 
Agora, falando da Jacinthada, imaginem minha alegria ao saber que a família é ainda maior.
Vovô Totó ( o mais novo) e seus irmãos Manoel, Álvaro e José.
Eu nunca soube que o vovô tinha três irmãos e oito irmãs!
Bisavó Blandina ( de preto) com suas suas irmãs Maximina (sentada) e Maria Querubina (em pé)
Eu guardei esta foto por muitos anos e também não sabia quem era. Só agora descobri que é minha bisavó Blandina. Tenho um monte de primos por esse Brasil afora! Participar meio no susto da 4a Jacinthada foi muito importante para nós. Confesso estar perdida ainda na nossa árvore genealógica, mas isso não importa, eu sei que faço parte dela. Me senti em casa com a Jacinthada.
E que recepção mais gostosa!
Muito carinho envolvido no preparo das duas recepções.
Eu e meus primos Eduardo e Gabriel fomos tão bem recebidos pelos organizadores! 
Quero mais! Aliás, foi uma ótima oportunidade para reencontrar meus priminhos.
A gente ama essa foto acima
. Sempre registramos nossos encontros. O melhor de tudo é que eles estavam sem as mulheres, hehe! Foi tipo festa do pijama para nós. 
A ideia dos encontros da Jacinthada é nos conhecermos melhor, então aí vai um pouco das memórias do nosso avô Totó. Enfim, obrigada pelo convite, obrigada pela comovente experiência de estar com todos vocês !
Nota: Tia Alda faleceu dia 24 de junho, poucos dias depois desse post. Foi se encontrar com a Totozada que já está no céu. 

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